É tanta água
O barro sumiu, mas a água invadiu
Com o asfaltamento da rua Henrique Dias, moradores passaram a lidar com alagamentos frequentes dentro das residências
Jerônimo Gonzalez -
Faz pelo menos dez anos a gerente de loja Viviane Mello, 39, vem avisando a prefeitura de Pelotas que a elevação do nível da via com uma sequência de aterramentos aumenta o risco da água da chuva escorrer para dentro das casas. E não deu outra. Há cerca de dois meses, logo após a prefeitura colocar a cobertura com o asfalto chamado de TSDI (sigla para Tratamento Superficial Duplo Invertido), os moradores da rua Henrique Dias, no Fragata, se livraram do barro. Mas, em compensação, passaram a lidar com alagamentos frequentes dentro das residências.
Em alguns pontos mais próximos ao cruzamento com a Frontino Vieira a diferença de altura entre o local de circulação dos carros e a entrada das casas supera os 40 centímetros. O que torna até mesmo a tentativa de barrar a água com pequenos muros em frente às portas insuficiente. Sem ter por onde escoar, já que os canos subterrâneos e os bueiros que deveriam fazer a drenagem estão entupidos, a chuva acumulada acaba indo parar direto na cozinha, na sala e nos quartos. Contrastando com isso, no asfalto a poucos metros os veículos circulam sem se preocupar com poças d’água.
Donos de imóveis na rua já acumulam prejuízos por conta da falta de planejamento da obra executada pela Secretaria de Serviços Urbanos e Infraestrutura (Ssui) e da rede de drenagem insuficiente mantida pelo Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (Sanep). As perdas vão desde móveis que ficam molhados e se deterioram até a desvalorização das propriedades. Isac Hardtke, 49, é um exemplo. Ano passado o empresário investiu na reforma da casa que aluga para engordar a renda da família. Trocou piso, pintou, fez uma série de melhorias. No entanto, bastaram três meses para que a nova inquilina quebrasse o contrato. “A primeira chuva que veio transformou o lugar em uma piscina. Entrou água por tudo, não precisou dez minutos. Não havia o que fazer, apenas pedir desculpas e esvaziar a casa”, conta.
Após diversas tentativas de diálogo com a prefeitura sem que uma solução para o problema fosse apontada, Viviane mobilizou cerca de 300 moradores em um abaixo-assinado e iniciou um processo no Ministério Público (MP) contra a prefeitura e o Sanep para apurar responsabilidades e chegar a uma solução. Apesar disso, tudo o que recebeu até agora foi uma ligação de um funcionário da Ssui com uma proposta que não agradou. “Querem que paguemos todo o material necessário para melhorar a drenagem da rua e a secretaria executa o serviço. Isso não é justo. Pagaremos de novo por um serviço público?”, reclama.
Conforme o promotor André Barbosa de Borba, a Ssui já foi notificada com um pedido de avaliação da situação e informações sobre as providências que serão tomadas. O MP deu prazo até o dia 10 de junho para uma resposta. “Não se encaminhando a solução o próximo passo seria solicitar uma avaliação do gabinete de assessoria técnica do Ministério Público para se chegar a uma conclusão sobre as causas e responsabilidades do problema”, explica o titular da 2ª Promotoria de Justiça Especializada de Pelotas. Se não houver acordo, não é descartada uma ação civil pública contra o município.
Orçamento apertado
Para o secretário de Serviços Urbanos e Infraestrutura, a solução do problema passa pelo que chama de “parceria com a comunidade”. Embora a ideia não tenha sido bem recebida pelos moradores ouvidos pela reportagem, Jeferson Dutra acredita que a saída possível é que cada proprietário de imóvel na rua Henrique Dias arque com os custos da tubulação e a prefeitura execute a obra de drenagem.
“Temos um orçamento muito enxuto, bem apertado mesmo. O material que temos está sendo usado em diversas partes da cidade, sobretudo nas travessias onde há maior fluxo de veículos e danos aos tubos”, explica. Segundo ele, a rua já sofria com alagamentos antes mesmo da pavimentação. No entanto, assegura que se houver acordo as obras podem iniciar em até 15 dias.
Inverno mais chuvoso no RS
De acordo com o boletim climático elaborado pelo Centro de Pesquisas e Previsões Meteorológicas da Universidade Federal de Pelotas (CPPMet/UFPel), a tendência é de que o inverno gaúcho seja bastante chuvoso. Inclusive com precipitações acima da média histórica para os meses de junho, julho e agosto, que não costuma ultrapassar 370 milímetros. A análise confirma o prognóstico divulgado na quarta-feira pelo subchefe da Defesa Civil do Estado, tenente-coronel Jarbas Ávila. “Até o mês passado havia neutralidade na temperatura do Oceano Pacífico. Agora há tendência de aumento, o que indica um direcionamento para o fenômeno El Niño, que tem característica de temperaturas e chuvas acima da média”, aponta.
A notícia preocupa pelotenses como a aposentada Flávia Conceição. Moradora da rua Álvaro Chaves, no Porto, ela se revolta com a água que sobe a calçada e bate no degrau da sua porta a cada precipitação mais intensa. “Estou me recuperando de uma pontada, pois precisei sair de casa depois da última chuva e mergulhei os pés. É sempre assim.”
Diante do problema e do cenário apontado para o inverno que se inicia no dia 21, o diretor-presidente do Sanep, responsável pelo sistema de drenagem no município, afirma que a limpeza dos canais que levam a água das chuvas até o São Gonçalo deve garantir um bom escoamento, embora não garanta que todos os locais permaneçam sem acúmulos. “Por sua topografia, é impossível que Pelotas não tenha pontos críticos de alagamentos. Porém, temos oito casas de bombas, comportas e equipes trabalhando para prevenir e evitar inundações”, assegura Alexandre Garcia.
Opinião
Maurizio Quadro, coordenador do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da UFPel
O que é preciso para solucionar ou, pelo menos, reduzir significativamente os alagamentos e inundações? A topografia é um problema?
Necessitamos de investimentos financeiros. Entretanto, existem algumas medidas que poderiam facilitar a vida do pelotense. Entre elas: melhorias nos sistemas de gestão dos resíduos sólidos e de limpeza pública, incentivo à utilização da água de chuva por residências, condomínios e áreas comerciais para diminuir o volume de água que chega à rede pluvial e a elaboração de políticas públicas que obrigassem empreendimentos de grande porte a construir sistemas de contenção ou aproveitamento de água de chuva. A topografia é um problema. Entretanto, é um problema facilmente solucionável.
O sistema de drenagem e escoamento da cidade é eficiente? Que tipo de investimento deveria ser feito?
Foi eficiente por muitos anos. Aconteceu que ele ficou subdimensionado, seja pelo aumento das áreas impermeáveis, seja pela diminuição das áreas de amortecimento que a cidade possuía. Outra questão é que o sistema de escoamento em grande parte da cidade é misto. Ele não escoa somente pluvial, mas também esgoto doméstico. Desta forma, os alagamentos também são um problema de saúde pública.
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